Viúva Negra no Disney+ e o Futuro do Cinema
Nada mais está escrito em pedra quando o assunto é distribuição.
O cenário do cinema pós-pandemia começa a ganhar contornos cada vez mais delineados. Enquanto a Warner fechava um acordo para encurtar a janela de exibição em 2022, a Disney reagendava lançamentos e anunciava “Viúva Negra” para o streaming. E se os dois maiores estúdios estão afirmando que as coisas agora serão assim, bem… é melhor começarmos a entender o que eles estão dizendo.
Se durante décadas o cinema se habituou a uma janela de 75-90 dias de exclusividade antes de os filmes migrarem para outras plataformas, as coisas agora serão diferentes. O acordo da Warner com a Cineworld (segunda maior exibidora do mundo, que opera a Regal nos EUA) garante que os filmes do estúdio terão exclusividade de ‘apenas’ 45 dias nos cinemas antes de irem para o HBO Max.
Enquanto isso, a Disney segue testando modelos híbridos e exclusivos. Nesta semana, a Casa do Mickey Mouse anunciou “Cruella” e “Viúva Negra” no Premier Access (o primeiro em 28 de maio e o segundo em 9 de julho), “Luca” direto no Disney+ sem custo adicional em 18 de junho, e outros títulos foram adiados para o segundo semestre ou para 2022. “Shang-Chi e a Lenda dos Dez Anéis”, que estava marcado para julho, foi para setembro.
A Warner não foi o primeiro estúdio a quebrar a janela de 90 dias. Em julho do ano passado, a Universal inaugurou a tendência, firmando um acordo com a rede AMC, número 1 no globo. Em novembro, fez outro parecido com o Cinemark. Depois, a Paramount seguiu a onda. Vale detalhar cada caso:
Universal Pictures/Rede AMC: Sob este acordo, o estúdio pode lançar novos títulos no PVOD três semanas, ou 17 dias, após o lançamento nos cinemas.
Universal Pictures/Cinemark: O estúdio pode disponibilizar seus filmes em PVOD 17 dias depois do lançamento doméstico — mas apenas em determinados casos. Filmes que arrecadarem pelo menos US$ 50 milhões no fim de semana de abertura ficam exclusivamente nos cinemas por 31 dias, ou 5 finais de semana.
Nova janela da Paramount Pictures: O estúdio vai segurar uma janela de 45 dias para os seus grandes filmes-evento (como "Um Lugar Silencioso - Parte II" e "Missão Impossível 7"), e uma janela de 30 dias para filmes menores. Depois, os títulos seguirão para o Paramount+.
Warner Bros. Pictures/Cineworld - Regal: Os filmes do estúdio terão 45 dias de exclusividade nas redes Regal, a partir de 2022.
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O formato Premier Access do Disney+, usado com “Mulan” e “Raya e o Último Dragão”, permite o lançamento day and date nos cinemas que estiverem em funcionamento. Raya arrecadou US$ 68 milhões no mundo, e é o 5º maior final de semana de abertura nos Estados Unidos desde o início da pandemia em março de 2020, segundo o Box Office Mojo.
Mas o formato trouxe retaliações: a rede Cinemark, 3ª maior dos EUA, se recusou a exibir a animação em seus complexos nos EUA, e outros exibidores menores fizeram o mesmo. De acordo com o Deadline, isso aconteceu porque a Disney estaria cobrando valores muito altos pelo aluguel e indisposta a negociações. Enquanto isso, a história é que a Warner adotou uma postura contrária com “Mulher-Maravilha 1984”, “Judas e o Messias Negro” e etc, o que facilitou o diálogo.
O que este novo cenário nos diz é que as bilheterias deixam de ser o fator principal na equação e passam a ser um dos muitos elementos. A pandemia mostrou aos estúdios as vantagens de janelas mais curtas e da exibição em suas próprias plataformas, e o que vemos agora é o resultado disso. Eles gostaram deste novo mundo. Nada está escrito em pedra, e a partir de agora, mais do que nunca, cada caso será avaliado individualmente.
Pensemos em “Viúva Negra”. Mesmo com as salas em NY e Los Angeles abertas, a capacidade restrita a 25% acarreta menos vendas de ingresso. Segundo analistas, isso faz com que seja praticamente impossível o filme, com orçamento de US$ 200 milhões, ter retorno lucrativo somente neste formato. O orçamento de “Raya”, por exemplo, foi metade disso.
Mas a adoção do lançamento de “Viúva Negra” no Disney+ não se trata de uma aposta contra os cinemas. O segundo semestre do ano permanece aberto para um ambiente mais positivo. A Disney não se pronunciou sobre “Jungle Cruise”, por exemplo, que segue como uma estreia somente para os cinemas no dia 30 de julho — talvez, mirando na popularidade de The Rock para testar as águas.
Também não é uma proposta inteiramente positiva para os exibidores, já que um filme do porte de “Viúva Negra” poderia muito bem ser aquele a incentivar as pessoas a voltarem a frequentar os cinemas. Por outro lado, há de se compreender a decisão, que no momento é a única forma de garantir algo próximo de um lançamento global do filme — sobretudo com novos casos de COVID na Europa e a trágica situação no Brasil.
A boa notícia é que o filme que pode trazer uma injeção de confiança está mais próximo do que nunca. Segundo análise da companhia Guts + Data feita para a Variety, “Godzilla vs. Kong” tem a melhor projeção de bilheteria no primeiro fim de semana desde o início da pandemia. A empresa estima que o filme da Warner/Legendary, cuja estreia híbrida está marcada para 31 de março nos EUA, tem arrecadação estimada de US$ 23,7 milhões nos primeiros três dias. O atual campeão é “Tenet”, de setembro, que arrecadou US$ 20,2 milhões no mesmo espaço de tempo.
No momento, essas são as projeções positivas, e isso indica que talvez precisaremos reajustar o que entendemos por grandes bilheterias a partir de 2022. Mas vale ressaltar: filmes de alto orçamento, como um “Os Vingadores” ou “Duna”, ainda precisarão dos cinemas para fecharem a balança — só o streaming não basta.
Se a redução da janela parecia drástica quando a Universal a encurtou para 17 dias, 45 parece um número muito mais razoável. Antes da pandemia, a grande maioria dos filmes já havia arrecadado entre 80 e 90% das bilheterias totais dentro deste período.
E se esta injeção de ânimo após “Godzilla vs. Kong” vingar, isso vai nos confirmar que serão os grandes filmes-evento os responsáveis por convencer o público a sair de casa. E, desta forma, “Viúva Negra” ainda pode executar um grande papel nesta nova realidade, sobretudo num cenário em que a vacinação estiver mais avançada na América do Norte.
Porém, neste mundo pós-pandêmico, os cinemas precisarão mesmo é de estreias exclusivas para levar as pessoas de volta às salas, mas este é um trabalho que precisa ser feito de forma gradual. Afinal de contas, não é só das bilheterias estadunidenses que os estúdios se sustentam. Com a vacinação avançando de formas irregulares em mercados essenciais ao redor do globo, o melhor a fazer no momento, para os produtores, é prosseguir com cautela.
Enquanto isso, exibidores continuam sofrendo — mas, nos Estados Unidos, um pouco menos que no resto do mundo. Para os estúdios, a balança é positiva. Se você não estiver disposto a ir aos cinemas por Natasha Romanoff ou pela rinha de Lagarto vs Macaco, a outra alternativa é se render ao Disney+ ou ao HBO Max. Os caminhos são muitos, mas o destino do dinheiro não muda tanto assim..
É claro, nos próximos anos, as coisas vão ser diferentes do que estávamos habituados. A experiência de ir ao cinema passará a ocupar outro lugar dentro da nossa vivência cultural. Talvez ainda mais elitizado, talvez não. Talvez isso leve a uma curadoria mais seleta, e ainda não sabemos o que será de exibidores menores e circuitos independentes.
Mas mudanças como esta ocorrem a todo momento, e novos paradigmas não surgem necessariamente para acabar com antigos — neste caso, a convivência mútua é mais do que bem-vinda, é necessária para a sobrevivência da forma. Só estamos começando a descobrir como ela funciona.
Enquanto isso, no Brasil, as coisas não evoluem tanto assim. O dinamarquês “Druk -Mais uma Rodada” estreou nesta quinta-feira (25) em cinemas selecionados e nas plataformas digitais. Antes, o previsto era o filme chegar ao VOD somente no dia 16 de abril mas, com o aumento dos casos de COVID, a distribuidora mudou a estratégia. Aliás, já que estou falando nele, vou fazer a propaganda da minha entrevista com o diretor, Thomas Vinterberg, que fiz para o Segundo Caderno do jornal O Globo. // leia aqui
Já a Warner preferiu adiar as estreias de “Godzilla vs Kong” e “Mortal Kombat”, respectivamente para 28 de abril e 13 de maio.
Por fim, “Meu Pai”, estrelado por Anthony Hopkins e Olivia Colman, terá estreia direto nas plataformas, em 9 de abril. Passou da hora de “Minari”, “Nomadland” e “Bela Vingança” fazerem o mesmo.