🚨Alerta de Spoiler: o cinema sobrevive
O lançamento de Mulher-Maravilha 1984, o acordo entre Universal e Cinemark e o futuro do cinema.
Mulher-Maravilha 1984 estreia nos cinemas e no HBO Max ao mesmo tempo. A Universal fecha um acordo com o Cinemark diminuindo a janela entre o cinema e o VoD — semelhante ao que havia firmado com a AMC em julho. O streaming não vai matar os cinemas, mas estamos caminhando para linhas cada vez mais turvas entre os formatos?
Nos últimos meses, andei fazendo esta pergunta, esporadicamente, a pessoas do mercado sempre que possível — em entrevistas, palestras e qualquer tipo de evento que pudesse me manter em contato com a indústria. A resposta que li ou ouvi foi quase sempre a mesma. Não se espera que tudo volte ao “normal antigo” depois da vacina, mas os investidores apostam em uma distinção cada vez mais clara entre o tipo de longa destinado às telonas e aqueles que vão chegar diretamente “no conforto de nossas casas”.
Ou desconforto, né. Eu mesma queria nunca mais ver um filme no computador pelo resto da minha vida.
O caso de Mulher-Maravilha 1984 tem suas particularidades que serão destrinchadas adiante. Já o acordo Universal/Cinemark, dependendo de como for utilizado, pode acabar criando um ambiente em que os filmes lançados no cinema são cada vez mais iguais.
Isso porque o contrato dá ao estúdio a opção de disponibilizar seus filmes em PVoD* apenas 17 dias depois do lançamento doméstico — mas apenas em determinados casos. Filmes que arrecadarem pelo menos US$ 50 milhões no fim de semana de abertura ficam exclusivamente nos cinemas por 31 dias, ou 5 finais de semana.
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PVoD
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Premium Video on Demand: permite acesso a conteúdo VoD com mais rapidez, sob um valor mais alto. É o caso de Trolls 2 e Mulan.
A palavra-chave é justamente opção. As partes deixam claro que nada disso significa que os filmes vão necessariamente migrar para o VoD após 17 ou 31 dias, mas que a possibilidade existe para os que não atenderem às expectativas. Nada impede um filme que fez US$ 40 milhões na abertura de permanecer exclusivamente no circuito, se a Universal enxergar nele potencial.
O que a estratégia garante é que fiascos anunciados, como Cats e Dolittle, sejam tragados pelo On Demand mais cedo, o que pode ser vantajoso. São títulos que, no cenário atual, ficam meses cruciais desaparecidos entre serem rapidamente tirados de cartaz e enfim ressurgirem em VoD.
Infelizmente, o mesmo vale para filmes de arte ou hits menos óbvios, que podem sumir no limbo com mais rapidez e, assim, alimentarem um ciclo que aos poucos os retire completamente do grande circuito. O resultado pode ser um ambiente cada vez mais lotado apenas de pipocão. Olhando em retrospecto parece improvável, mas e se alguém fizesse a besteira de tirar Corra! dos cinemas cedo demais?
O lançamento multiplataforma de Mulher-Maravilha 1984
Vai ser assim: a partir de 25 de dezembro, o longa estreia nos cinemas e no HBO Max sem custo adicional, onde fica por um mês. Depois, permanece apenas nas telonas. E aí segue a rota tradicional da janela de exibição: sai para aluguel no TVoD (iTunes, Google Play, etc) e, por fim, volta para casa no HBO Max.
Isso para os Estados Unidos. Internacionalmente, o longa chega uma semana antes, em 16 de dezembro.
De cara, isso oferece um paliativo para o inevitável pirateamento onde ele não será disponibilizado no streaming, e torna possível alguma conversão de lucros, ainda que bem menor que um outrora cobiçado US$ 1 bilhão.
Sobre a decisão, o CEO da WarnerMedia, Jason Kilar, escreveu:
“Estamos comprometidos com a experiência cinematográfica e acreditamos que dar aos exibidores um filme desta natureza é importante agora. Acreditamos no cinema porque milhões de fãs ao redor do mundo o valorizam. E enquanto os fãs buscarem a experiência cinematográfica, estaremos lá para servi-los com ótimos filmes em parceria com os exibidores. Coletivamente, os fãs que decidem essas coisas, como deve ser.” / Leia mais
Fica a questão: será que o lançamento simultâneo no HBO Max e nos cinemas realmente dá às redes o impulso que elas desejavam com um filme do porte de Mulher-Maravilha 1984? Por outro lado, a posterior manutenção somente nas telonas pode ser o início do início do início de um incentivo para o retorno seguro às salas — algo que Tenet não conseguiu fazer, até porque Nolan irritou muita gente.
Em outubro, durante reunião de lucros do 3ª trimestre (Q3) da AT&T, o CEO John Stankey declarou:
“Não saímos de Tenet acreditando que fizemos um golaço, mas estou feliz de termos jogado (…) Estamos nos comprometendo a colocar alguns dos próximos trabalhos no cinema, e não acreditamos em uma recuperação no início de 2021. Esperamos um processo turbulento.”
A verdade é que não tem bola de cristal que diga como será performance do retorno de Diana Prince. O que dá para dizer é que isso é importante para o HBO Max.
O fiasco HBO Max
O streaming da WarnerMedia tinha, até o fim de setembro (período do Q3), 28,7 milhões de inscritos. Estes são assinantes da HBO que têm acesso sem custo extra ao HBO Max. Mas, destes, apenas 8,6 milhões fizeram a ativação. Ou seja, 70% dos assinantes da HBO que têm acesso ao Max sequer foram atrás dele.
Juntos, os assinantes de HBO e HBO Max nos Estados Unidos somavam até setembro 38 milhões, o que dá uma diferença de aproximadamente 10 milhões de assinantes da HBO sem acesso ao Max. É uma parcela que acessa o serviço via Amazon Fire TV ou Roku, e esse é um grande problema: o Max estava com dificuldades para fechar acordos e oferecer seu aplicativo nos dois OTTs.
Mas Amazon e Roku são tão importantes assim?
São. Segundo estudo da Conviva, o Roku detém 44% do tempo que os estadunidenses passam nas telas, e Amazon Fire TV mantém outros 19%. Ambas as companhias alegam ter cerca de 40 milhões de usuários. A ausência do HBO Max nos dois serviços limita sua visibilidade diante dos assinantes de streaming mais ativos.
No início desta semana, finalmente um acordo entre HBO Max e Amazon Fire TV foi fechado. Com o anúncio de Mulher-Maravilha, espera-se que as pazes com o Roku sejam seladas até dezembro e isso ajude a aumentar as assinaturas.
É importante lembrar: a pandemia atrasou a reunião de Friends, que teria sido trampolim para o lançamento do HBO Max, e desde então a Warner tem buscado outras formas de atrair atenção. Depois da reunião de Um Maluco no Pedaço e do Snyder Cut de Liga da Justiça, MM84 é a peça mais recente a entrar nessa engenhoca.
E a pirataria?
Sendo contra ou a favor da pirataria, ela continua existindo e afetando lançamentos de formas distintas. É verdade que a popularização das plataformas de streaming conseguiu diminuir o ritmo dos downloads ilegais, mas não freá-los completamente. Como a Disney aceitou as consequências da pirataria com The Mandalorian, Hamilton e Mulan, entre outros, a Warner faz uma escolha em que os dois lados teriam consequências cruéis.
Se lançasse o filme somente nos cinemas, corria o risco de enfrentar uma resistência tão ferrenha quanto Tenet. Se lançasse somente no streaming, criaria uma barreira com os cinemas e incentivaria ainda mais as versões pirateadas. Num meio-termo entre Tenet e Mulan, Mulher-Maravilha 1984 aceita que o torrent é inevitável, mas crê que é possível contorná-lo.
As tais linhas turvas
A bola para definir “O Futuro do Cinema” agora está novamente no campo da Disney, com Viúva Negra sendo o próximo filme no qual ficamos de olho. Com tantas vacinas apontando mais de 90% de eficácia, é possível que os estúdios aguardem novidades dos laboratórios para decidir o que fazer.
Mas quando enfim pudermos andar em multidões novamente, blockbusters do porte de Viúva Negra, Os Eternos, 007 - Sem Tempo para Morrer e Velozes & Furiosos 9 serão essenciais para levar as pessoas de volta para o cinema. E aí, dificilmente alguém vai querer saber deles em VoD tão cedo. Toda a indústria sai ganhando com essa galera na sala escura.
O Disney+ chegou, e tem título com áudio em português de Portugal, Hamilton sem legenda e um monte de série original com episódios semanais enquanto a temporada tá completa pelos torrents da vida. Ô Mickey Mouse, bota isso aí pra funcionar!
Quem também chegou por aqui foi o Pluto TV. Finalmente um streaming que não quer arrancar nosso dinheiro, mas é meio baú de velharia. Partiu maratona de Jeanie é um Gênio.
Quem não chegou foi o reboot de Animaniacs, que estreia nesta sexta (20) no Hulu. Nem a antologia Small Axe, do Steve McQueen, que só chega por enquanto no Prime Video dos EUA e do Canadá. Exausta dessa palhaçada, Jeff Bezos.
🔥 Festival Mix Brasil: Vai até domingo, dia 22, com curtas, longas e programação musical e literária celebrando a cultura da diversidade. Tudo disponível lá no site e na faixa. Dá uma olhada!