Netflix tenta resolver problema que ela mesma criou
E mais: regulamentação e investimentos são temas de debates no setor nacional.
Há alguns meses, a Netflix vinha testando o botão de ‘Títulos Aleatórios’, e nesta semana o feature foi oficialmente adicionado à plataforma para todos os usuários. Uma leva de assinantes já tinha a opção na conta, mas agora ela será gradualmente estendida a todas as bases — iOS, Android, TV Box, navegadores, etc.
O adicional, segundo reportagem publicada pela Vulture, faz parte de uma tentativa de solucionar ou diminuir um problema que o veículo chama de “fadiga de decisão”. Isso acontece quando a audiência se vê diante de inúmeras opções, se cansa e desiste por não conseguir escolher uma para assistir.
O vice-presidente de produtos da Netflix, Todd Yellin, embora ciente do problema, não consegue enxergar o excesso de conteúdo como algo ruim.
“Fico chocado quando as pessoas não acham que isso é uma coisa boa. Porque o que estamos fazendo, na essência, é dar a chance para mais roteiristas e produtores com histórias e origens a contarem suas histórias. É dar ao espectador mais opções interessantes dentre as quais escolher.” (via Vulture)
Mas será que é mesmo?
Peço perdão aqui para relatar uma experiência pessoal: nos últimos doze meses ou mais, quando me vi sem a necessidade profissional de escrever a crítica de uma nova série da Netflix a cada semana, fui gradualmente diminuindo a frequência com que consumo as novas originais. O resultado deste ritmo drasticamente reduzido, apesar da pandemia que nos prendeu entre quatro paredes, é que a minha página inicial foi ficando cada vez mais genérica e recheada de conteúdos que certamente não estão de acordo com o meu gosto primário.
Isso revela que o maior problema da Netflix vai além do excesso de conteúdo (no mundo das produções seriadas, isso tem um nome: Peak TV. E é horrível). Aliado ao exagero de estímulos está um sistema de organização e recomendações cada vez mais disperso e desorientado, e para o espectador médio é difícil descobrir o que é novidade e o que não é, a não ser recorrendo ao Top 10 e a pesquisas externas.
Vale salientar que, mesmo assim, trata-se da plataforma com os melhores sistemas de busca e recomendação, com conteúdos indexados por gênero, elenco e tema, e um sistema que está em constante aprimoramento. Outros streamings, como Prime Video e HBO Go, definitivamente ficam devendo neste âmbito.
Desta forma, o botão ‘Títulos Aleatórios’ não apresenta uma solução concreta — e não poderia fazê-lo —, mas uma possibilidade para acalentar este problema de exaustão criado justamente pela Gigante do Streaming. A semelhança ao modelo televisivo linear não é coincidência. A adição foi inspirada com ele em mente mesmo.
Nada de errado nisso, aliás. A melhor descoberta recente do streaming foi que os lançamentos semanais são incríveis e dão certo. Ah, a sabedoria dos antigos.
Tem espaço para todos
Ainda nessa questão do streaming ter descoberto os lançamentos semanais, o último relatório da Nielsen Ratings colocou, pela primeira vez, quatro plataformas diferentes no Top 10 das séries originais mais assistidas. Além das presenças habituais de Netflix e Disney+, o Hulu apareceu com ‘Solar Opposites’ (pela segunda semana seguida, aliás) e a Amazon fez a estreia de ‘Invencível’ no ranking. Série esta que, aliás, foi renovada para as suas temporadas 2 e 3 nesta quinta.
Sempre é importante ressaltar que a medição da Nielsen não traz um quadro completo, e abraça um escopo limitado dentro da audiência estadunidense. Mesmo assim, diante do apresentado, a aparição de outros serviços (e lembrando que a audiência do HBO Max não é medida) está de acordo com a média de market share cada vez mais diversificada, segundo estudo da Antenna.
Enquanto a quota de mercado da Netflix diminuiu muito, devido ao aumento da concorrência e da ampliação do próprio mercado, é importante ressaltar que este dado não é suficiente para acender alertas vermelhos entre os grandes executivos da corporação.
Claro, o aumento da concorrência significa que o usuário tem mais opções e, eventualmente, a plataforma precisa ceder alguns holofotes a outros players. Mas as fatias do mercado perdidas pela Gigante do Streaming não são por desistência. São apenas uma consequência do aumento do número de pessoas com acesso a pacotes e assinaturas de serviços que não existiam em 2019.
Veja, por exemplo, este outro gráfico também levantado pelo grupo Antenna, que reflete a média de churn — ou seja, a desistência de assinaturas. Apesar de tantas reclamações na internet pelo “excesso de cancelamentos e ameaças de assinantes que prometiam banir suas contas, o churn da Netflix é apenas de 0,1% comparado a outros SVOD premium.
Ou seja, mesmo sendo a grande responsável pela tal fadiga de decisão (e pela privação do sono de críticos de séries e de filmes que estão abarrotados de conteúdo para assistir), as eventuais quedas que a Netflix sofre são sempre compensadas.
A implementação do ‘Títulos Aleatórios’, mais do que melhorar a experiência do usuário, visa aumentar o tempo de uso da plataforma. Segundo a professora Elena Neira, as consequências podem bater direto no bolso (de Ted Sarandos e Reed Hastings):
“Mesmo sabendo que você pode simplesmente parar de ver uma série ruim e escolher outra, o medo de se ver preso em um loop de indecisão é exaustivo. Nós travamos. Se você não consegue fazer uma escolha, a frustração pode fazer você desistir e ir para outra plataforma.” (via Vulture)
Resumo da história? Ainda que de fato coloque a satisfação de seus assinantes em primeiro plano, a Netflix também já visa, com a nova funcionalidade, evitar sofrer com a queda do market share e um aumento do churn.
É essa ampla de futuro que a vermelhinha segue anos-luz à frente das concorrentes. O que ela faz em termos de tecnologia e usabilidade da plataforma pode até não ser tão incrível quanto foi há quatro ou cinco anos — às vezes eu tenho a impressão que existem apenas 15 filmes e 30 séries no catálogo inteiro —, mas o que os outros players apresentam é tão inferior (ainda) que a competição fica fácil.
Em outras métricas, o Whip Media aponta ‘Sombra e Ossos’ como a série em ascensão na semana de 19 a 25 de abril, com o drama italiano ‘Zero’ em segundo lugar e a nova minissérie da HBO com Kate Winslet, ‘Mare of Easttown’, conquistando a medalha de bronze.
Esta newsletter também não entendeu por que ‘A Teacher’ de repente virou de interesse público, mas apoia.
Já entre as séries mais aguardadas de maio entre os usuários do TV Time, as vencedoras são ‘The Bad Batch’ e ‘Love, Death & Robots’.
E ‘The Underground Railroad’, hein?! Finalmente!!
Nesta semana, aconteceu o evento ‘Streaming Brasil 2021’, organizado pela Tela Viva com a Teletime. Os debates contaram com a presença de advogados, representantes de Globo e AT&T para discutir a implementação da lei do SeAC no streaming. Obviamente, todos os presentes se posicionaram contra, e representantes de associações independentes sequer foram ouvidos. Lamentável.
Também aconteceu um seminário sobre ‘Os Desafios da Regulação do Streaming no Brasil’, com as presenças de Vera Zaverucha (consultora em legislação audiovisual), Eduardo Senna (Latin Right), Fábio Lima (Fundador e CEO, Sofá Digital) e Mauro Garcia (Presidente Executivo, BRAVI - Brasil Audiovisual Independente). O Simplificando Cinema acompanhou o evento, recomendo que leiam a thread abaixo e os conteúdos sempre ótimos da Marina Rodrigues, como este texto aqui para a coluna no Cinem(ação).
Hoje o 🔥 ou ❄️ está diferente, já que todas as plataformas perderam a noção na quantidade de estreias na semana. Então, vamos apenas listá-las.
Netflix:
‘Os Salafrários’: comédia com Marcus Majella e Samantha Schmütz.
‘Sexify’: série que mistura tecnologia com orgasmo feminino. Não me perguntem.
‘Vozes e Vultos’: filme de suspense e terror com Amanda Seyfried que parece ser péssimo.
‘O Inocente’: série espanhola baseada em um livro de Harlan Coben sobre um cara acusado de um crime que não cometeu. Tão original.
‘A Família Mitchell e a Revolta das Máquinas’: filme de animação produzido por Phil Lord e Chris Miller, de ‘Uma Aventura LEGO’ e ‘Homem-Aranha no Aranhaverso’. Aí, sim! 🔥
Globoplay:
‘Casa Kalimann’: pra você sentir vergonha alheia e enxergar a vida sob outra perspectiva. É tão constrangedor que vale a experiência só pelo estudo.
‘A Vida Depois do Tombo’: acho que existe um debate gigantesco e complexo em volta dessa questão da Karol Conká, mas a série documental é precoce e instiga ódio. Eu escrevi a crítica, aqui.
Prime Video:
‘Sem Remorso’: filme estrelado por Michael B. Jordan a partir da obra de Tom Clancy (de ‘Jack Ryan’). Tem o MBJ, o que mais você precisa saber?
Apple TV+:
‘The Mosquito Coast’: série que adapta o romance de Paul Theroux, estrelada pelo seu sobrinho, Justin Theroux. A história já ganhou os cinemas no filme de 1986 dirigido por Peter Weir, com Harrison Ford e Helen Mirren.
Disney+:
‘22 Contra a Terra’: curta da Pixar baseado em ‘Soul’. Aqui, a 22 recruta uma gangue de 5 outras almas para criar uma rebelião e não precisar ir à Terra.
E por hoje é só isso tudo. Beijos, até!