Mickey Mouse chega atrasado e sentando na janelinha
Baby Yoda na Tela Quente e Netflix querendo te convencer que ela não cancela séries demais
“Se os brasileiros são fãs de uma série, você com certeza vai saber que eles estão por aí”, comentou Dan Fienberg, o crítico de TV do The Hollywood Reporter, em um episódio do TV’s Top 5. Ele falava de Caçadoras de Recompensas, mas a frase ajuda a entender o cenário local em um contexto mais amplo.
Somos o segundo mercado da Netflix em número de assinantes, pela pesquisa da Bernstein, e o terceiro em arrecadação. Quando a gigante do streaming começou a investir em produções internacionais, o Brasil foi modelo a ser seguido. A companhia já tem mais assinantes que a TV paga por aqui.
E, mesmo assim, a expansão do Disney+ para a América Latina ficou lá no fim da fila.
Se, por um lado, esse atraso deixa subentendida certa rejeição da Casa do Mickey Mouse, a tática um tanto agressiva mostra que, mesmo assim, existe uma preocupação com o desempenho do Disney+ por aqui.
No relatório de investimentos do quarto trimestre fiscal (Q4), divulgado nesta quinta-feira (12), a companhia revelou que o Disney+ já tem 73,7 milhões de assinantes globais, um ano depois de seu lançamento oficial e bem acima do esperado: as expectativas da companhia eram de atingir entre 60 e 90 milhões até 2024.
Na chamada com os investidores, o CEO Bob Chapek demonstrou empolgação para a entrada do Disney+ nos novos mercados, e reiterou a importância da mudança de eixo da companhia para conteúdo DTC (direct to consumer) — um assunto que será abordado mais a fundo na reunião de 10 de dezembro.
O redirecionamento estratégico da Disney para o streaming começou a tomar forma em outubro, resposta à pandemia da COVID-19 e à consolidação do VoD em grandes escalas globais. As unidades de mídia e entretenimento agora funcionam sob dois grandes pilares: um de criação de conteúdo (subdividido em três grupos) e um de distribuição, responsável pela comercialização mundial das obras. / Leia mais (em inglês)
No Brasil, a parceria Globo/Disney abre um precedente pouco explorado e acelera a implementação de ainda mais combos semelhantes. Nos Estados Unidos, o Disney+ é oferecido em pacotes com o Hulu e o ESPN+, o Apple TV+ oferece o CBS All Access e o Showtime por um valor promocional e até o HBO Max é ofertado dentro do Hulu. Aqui, há algo semelhante com o Prime Channels da Amazon.
Mesmo assim, a união de forças entre Disney e Globo é ainda mais estratégica do que parece. Estamos falando de duas das maiores produtoras de conteúdo do mundo e de dois canais de streaming com o mesmo público alvo: toda a família.
Embora o Globoplay tenha investido pesado em séries estrangeiras e originais, foi com as novelas que as assinaturas dispararam. Conclusão? O público da plataforma é o da TV aberta.
Sobre o Disney+, sua preocupação é com conteúdos brandos, kid-friendly — até séries como Love, Victor e High Fidelity foram migradas para o Hulu por serem “adultas demais” (talvez um caso de homofobia aqui, mas esse é assunto para outra hora).
Para uma família, o combo Disney+ e Globoplay teoricamente tem tudo: novela, Jornal Nacional, documentários, Pixar, Marvel, as princesas, todas aquelas séries do Disney Channel e até canais de esporte.
Se parece substituir a sua assinatura de TV a cabo, é porque o objetivo é esse mesmo.
Entre números e acessibilidade
Se o combo vai gerar efeito no número de assinantes de Globoplay e Disney+ nós ainda não sabemos, mas dá para apontar que o olhar da Globo para o futuro está em dia com as tendências do mercado. Nesta semana, Ricardo Feltrin divulgou com exclusividade em sua coluna no UOL uma pesquisa do Kantar/Ibope que aponta um crescimento de 187% do streaming em lares das 15 maiores metrópoles brasileiras no último ano. Esse crescimento é complementar à queda da televisão TV aberta.
Mas falamos de uma parcela restrita do Brasil com acesso a internet. É importante ter cautela com previsões de substituição do modelo linear pelo on demand. Os analistas acreditam em uma dinâmica cada vez mais transmidiática, e não no desaparecimento de um formato em favor de outro.
A mulher que manda nas séries da Netflix
Muita coisa aconteceu na gigante do streaming nos últimos meses. Gente saindo, sendo saída, uma completa reestruturação das séries e a promoção de Bela Bajaria a VP de séries mundiais.
Vou poupá-los de pormenores dessa reorganização, por enquanto (até porque Bajaria está devendo uma grande contratação, e voltaremos nesse assunto quando ela for feita). Mas a executiva deu duas declarações interessantes na quarta-feira (11) durante o Paley International Council Summit.
Sobre o presente e o futuro da vermelhinha, disse:
“O que nos dá orgulho na Netflix é entreter o mundo. Esse ano foi um lembrete disso, e provavelmente foi mais significativo do que nunca poder fornecer esse nível de entretenimento para tantos países. Historicamente, Hollywood é exportação. Você exporta Hollywood para o mundo. O momento agora é de fazer séries em qualquer língua, de qualquer país, e viajar para todos os lugares. Quero que [a Netflix] sempre esteja na vanguarda do entretenimento mundial.”
(Ela basicamente confirma que a estratégia é sair em busca da próxima La Casa de Papel, e não da próxima Stranger Things.)
Sobre as constantes reclamações de que a Netflix cancela séries demais… bem…
“É sempre doloroso cancelar uma série, ninguém quer fazer isso. Nós encomendamos temporadas completas e não pilotos, o que às vezes resulta em mais cancelamentos na 1ª temporada. Ainda assim, acredito que encomendar uma temporada ao invés de um piloto é uma expressão criativa melhor. Acho que este é o modelo certo para nós.”
É verdade que a grande quantidade de séries produzidas pela Netflix leva proporcionalmente a um bom número de cancelamentos. Mas isso também é consequência de tratar temporadas como pilotos - nem sempre a melhor ideia.
O modelo pressupõe que todo mundo tenha tempo para isso (não temos) e leva a execuções de ideias sem estrutura e ritmo para 10 episódios – algo que poderia ser resolvido facilmente num tratamento do piloto.
O assunto me lembra do piloto original de Game of Thrones. O que teria acontecido se a HBO tivesse apenas deixado David e Dan seguirem em frente com ele?
Dicas rápidas do que tem de bom (🔥) e/ou não tão bom (🧊) chegando pelos streamings.
🔥 The Crown: A 4ª temporada traz Margaret Thatcher como Primeira-Ministra e introduz o charme irresistível de um dos membros mais populares da família real britânica: Diana Spencer. O último ano de Olivia Colman na pele da rainha talvez seja o melhor da série até agora. É na sua contradição, explorada pelas dinâmicas com as duas novas personagens, que The Crown reflete sobre o esmagamento dos títulos reais naquelas pessoas — aos poucos, a Coroa consumiu cada um deles. Philip e Margaret têm menos espaço, Charles assume o posto de Babaca Oficial™, e Gillian Anderson e Emma Corrin são fantásticas adições. (Os 10 episódios chegam à Netflix domingo, dia 15. Eu já vi todos eles.)
🔥 As Five: O spin-off de Malhação - Viva a Diferença é uma mega aposta do Globoplay e traz as protagonistas esmagadas pela realidade de jovens adultas perdidas, buscando refletir a geração Z através de sexo, drogas e relacionamentos. São episódios semanais, liberados toda quinta-feira. O primeiro já está disponível e, apesar de problemas de ritmo, garante arcos com potencial para cada uma das garotas.