Explicando a WarnerMedia como se tivéssemos 5 anos
Sobre os resultados do Q4 da AT&T e o efeito Mulher-Maravilha no HBO Max
[Chegando mais cedo porque fiquei com pressa e essa tá quentinha, quentinha!]
Nesta newsletter, nós amamos relatórios de lucro trimestral de conglomerados midiáticos, porque dá pra exercitar um lado do cérebro que fica à toa mais do que deveria — o que faz as contas de matemática. Também é através dos quarterly earnings que temos acesso a números importantes para que seja possível especular sobre o mercado do streaming e as próximas movimentações a respeito de conteúdo. Nessas reuniões trimestrais, CEOs e CFOs divulgam para os seus acionistas e para os jornalistas (e, honestamente, pra qualquer um que quiser participar como ouvinte) os ganhos e os gastos dos últimos meses, as margens de lucro e onde houve êxito ou deu tudo errado, além de adiantarem quais são as propostas e os objetivos para os próximos meses. E, sim, isso é muito divertido e emocionante. Pelo menos na minha cabeça.
Nesta quarta-feira (27) aconteceu a reunião do Q4 da AT&T, dono da WarnerMedia, e essas são reuniões particularmente divertidas porque em um minuto John Stankey está respondendo a uma pergunta sobre Mulher-Maravilha e no outro está falando sobre expansão do 5G e de fibra ótica. Elas também são deliberadamente confusas quando falamos de números de assinatura dos serviços de streaming (HBO e HBO Max), e muitas vezes ficamos diante de uma profusão de dados sem entender o que eles realmente significam.
O malabarismo da WarnerMedia na divulgação das assinaturas é uma forma de mascarar a baixa entrada do HBO Max na rotina do público estadunidense, mas o resumo simplificado da história é que a estreia de ‘Mulher-Maravilha 1984’ teve um saldo positivo. Mas se você estivesse atrás de um resumo simplificado da história bastava ler dois parágrafos de qualquer notícia, então vamos às explicações.
Inscrições x ativações
A WarnerMedia sempre divulga o número de assinantes elegíveis do HBO Max e o número de ativações, e são duas coisas distintas e complementares. Existem duas formas de ter acesso ao conteúdo do HBO Max: Wholesale são os usuários que pagam a HBO através de uma operadora (como Comcast, DirecTV, YouTube TV, Hulu, etc) e têm acesso ao Max garantido sem custo adicional. Retail são usuários que assinaram o HBO Max diretamente da WarnerMedia, pela internet. Portanto, quando falamos de inscrições ou de assinantes elegíveis, trata-se da soma destes dois tipos de audiência.
Porém, quando falamos dos usuários wholesale, existe uma distinção entre quem é elegível para usufruir do HBO Max e quem de fato está fazendo o uso da plataforma. Por isso que existe este dado do número das ativações. Este valor diz respeito à quantidade de assinantes total (wholesale + retail) que já se inscreveram e estão usando o HBO Max.
Desenhando
No quarto trimestre de 2020, a HBO e o HBO Max juntos atingiram um total de 41,5 milhões de assinantes/inscritos, nos Estados Unidos. Destes, 37,7 milhões são assinantes elegíveis para o HBO Max, com 30,7 milhões wholesale e 6,8 milhões retail. O número de ativações, no entanto, é 17,2 milhões.
Fazer esta distinção entre assinantes wholesale e assinantes retail é importante porque é possível enxergar quantas pessoas estão buscando ativamente pela assinatura do HBO Max mesmo não sendo usuários de outros produtos AT&T, e o quanto a estreia de ‘Mulher-Maravilha 1984’ e os acordos com Fire TV e Roku impulsionaram tanto novas assinaturas quanto ativações de usuários wholesale.
Neste caso, os números são positivos. Destes 6,8 milhões de usuários retail, 3,2 milhões vieram neste quarto trimestre. Já dos 30,7 milhões de usuários wholesale, o quarto trimestre somou 5,6 milhões. Das 17,2 milhões de ativações, o último trimestre do ano trouxe 8,6 milhões, exatamente o dobro em relação ao trimestre anterior. Vamos aos gráficos.
Traduzindo
Vemos bons números para o HBO Max em geral, impulsionados pelo lançamento de ‘Mulher-Maravilha 1984’ e os acordos com Amazon e Roku. Se até o Q3 a ativação de usuários estava na média de 30% em relação ao universo de assinantes elegíveis, no Q4 o valor saltou para 46%. Ainda é baixo, mas é um impulso interessante.
Por isso, fica o reforço: falamos em números medianos, sobretudo se levarmos em conta o sucesso do lançamento do Disney Plus, um dos grandes concorrentes da WarnerMedia, e a média de churn (ou seja, o que perde em receita e clientes) que deve se acumular no atual trimestre. Mas John Stankey se mostrou muito confiante na estratégia multiplataforma, citando que a prevista sobrecarga de lançamentos no cinema a partir do final de 2021 e início de 2022 não vai se traduzir necessariamente em uma boa média de comparecimento do público aos cinemas de imediato.
O CEO também reconheceu que nem todos os filmes do line-up da Warner são chamarizes de audiência tão grandes quando a saga de Diana Prince, e disse que a empresa não espera que todos tragam uma resposta tão positiva. É claro, não dava para esperar que o cara chegasse na reunião de acionistas dizendo que a ousada decisão da Warner foi um grande fiasco, mas o mercado não recebe as notícias com o mesmo entusiasmo que ele.
COVID-19, prejuízos e a resposta dos analistas
Gastos e lucros em todo o ano de 2020 naturalmente foram impactados pela pandemia A WarnerMedia foi um dos setores da AT&T que mais sofreu com a crise sanitária, com quedas sobretudo em conteúdo e arrecadação em marketing. Houve acréscimo nos gastos, que foram para US$ 165,4 bilhões em comparação aos US$ 153,2B de 2019, e a receita anual foi 77,1% menor que no ano anterior, segundo relatório. Gastos extras relacionados à Covid estão entre os principais fatores.
Para analistas da MoffettNathanson, em nota divulgada aos investidores, a estratégia da AT&T volta a se equilibrar numa métrica entre crescimento e lucratividade, sobretudo com as operações da WarnerMedia. Mas os impactos a curto prazo dessa ambição significam menor fluxo de caixa para o pagamento das dívidas da empresa. É claro, o mercado não fica satisfeito com isso.
Ainda segundo a MoffettNathanson, a estratégia de lançamento dos filmes direto no HBO Max pode custar à WarnerMedia mais US$ 2B até o fim do ano, e investir na empresa a longo prazo seria uma decisão mais fácil se a AT&T tivesse um balanço patrimonial mais forte — o que não é o caso.
Vale destacar que, até dezembro de 2020, a mesma MoffettNathanson estimava um déficit de US$ 1,2B com a estratégia multiplataforma, e um acréscimo tão grande em tão pouco tempo no cálculo preocupa, até mesmo porque ele vem após um momento de conflito de interesses tanto com talentos (Nolan, Villeneuve e companhia) quanto com estúdios e coprodutoras.
O cenário que se desenha, então, é extremamente delicado e complexo. O lançamento dos filmes da Warner no HBO Max abriu o precedente para causar um atrito tanto financeiro quanto criativo com os talentos pela forma como a decisão foi tratada em regime público. Além disso, a empresa se coloca numa posição de prejuízo econômico a curto prazo praticamente certo, apostando todas as suas fichas em um futuro êxito de seu canal de streaming — vale reforçar, não garantido — para sanar a sua bilionária dívida lá na frente. Enquanto isso, perde a confiança do mercado financeiro e torce para a ousadia dar certo.
Aqui nessa newsletter não trabalhamos com cartas ou tarô, e justamente por isso gostamos de métricas (e quando eu falo assim no plural estou falando de mim e das minhas outras 6 personalidades mesmo), porque os números nos ajudam a entender o momento e especular o futuro. O impacto de ‘Mulher-Maravilha 1984’ foi positivo e animador, ao menos dentro das expectativas. É um resultado extremamente sutil comparado aos grandes players do streaming, e por isso é prudente seguir com cautela. Mas se o crescimento for constante — isso levando em conta grandes lançamentos como ‘Godzilla vs. Kong’, ‘O Esquadrão Suicida’ e ‘Matrix 4’, além de ‘Zack Snyder’s Justice League’ e as séries originais HBO Max — Wall Street começa a ter mais confiança com as decisões da AT&T e, no momento, isso basta.
Planos de expansão e futurologia
Quanto à expansão do HBO Max fora dos Estados Unidos, a AT&T trabalha com uma previsão para o segundo semestre de 2021, também com extrema cautela e reforçando que a Covid pode impactar negativamente o projeto. Além disso, uma versão AVOD da plataforma também é planejada para os Estados Unidos, e o CFO John Stephens garantiu que as movimentações começarão a ser vistas a partir do Q2. Isso também deve impulsionar novas aquisições do serviço, sobretudo se a assinatura tiver um preço atraente.
Por fim, a respeito do Futuro Do Cinema™: nós JÁ VIVEMOS em uma realidade em que os lançamentos multiplataforma são um fato — o sucesso de Soul no Disney Plus é um indício maior que WW84, aliás. Precisamos dessa movimentação na economia e precisamos que isso continue a acontecer a preços acessíveis (e não no valor absurdo que a sequência com Gal Gadot chega ao Now), até mesmo para que haja espaço e destaque para desovar obras estocadas que, de outra forma, ficariam sufocadas em um retorno aos cinemas abarrotado de blockbusters. O mundo pós-pandemia provavelmente será reestruturado mais uma vez, mas ele ainda está distante e a conjuntura atual não será perdida completamente. O que é fato é que bilheteria vai deixando de ser o produto e passando a ser um dos fatores na equação. A diferença é que a AT&T precisa do dinheiro e não pode ser dar muito o luxo de errar. Veremos.
E por hoje é só!