No último ranking da Nielsen dos mais assistidos nos streamings nos Estados Unidos, um dado curioso chamou a atenção. ‘Orange Is the New Black’ e ‘Longmire’ ressurgiram das cinzas e galgaram um lugar no Top 10 das produções originais mais vistas entre 1 e 7 de março. Nenhuma das duas teve qualquer novidade, episódio novo ou movimentação nas redes sociais que ajude a justificar um boom repentino. Mas o índice aponta para um novo movimento entre o público da gigante do streaming, que começa a enxergar as originais mais antigas como séries de catálogo — algo que, normalmente, se restringe a produções adquiridas.
É importante observar que, apesar dos grandes investimentos em conteúdos originais nos últimos anos (e cada vez com resultados mais expressivos pelo pouco a que temos acesso em termos de audiência), o grande motor da Netflix continuam sendo as séries de catálogo licenciadas. ‘Friends’ e ‘The Office’ já ocuparam o posto de mais assistidas antes de serem repatriadas respectivamente pelo HBO Max e pelo Peacock, nos Estados Unidos. Agora, o posto é de ‘Criminal Minds’… isso enquanto o Paramount+ não resolver assumir as rédeas desta também.
O curioso do caso de OITNB e Longmire é observar que, pela primeira vez em que se tem registro, esse movimento de catálogo começa a acontecer também com as originais Netflix mais antigas.
Para entendermos como isso impacta a produção da Netflix e os novos produtos adquiridos, é importante respondermos algumas questões.
Menos é mais
Por que, na era do streaming, com tantas opções de entretenimento em todos os lugares, maratonas de séries antigas continuam sendo um motor tão importante? Há de se levar em conta que justamente o excesso de estímulo gera uma retração e uma busca pelo conhecido, pelo confortável.
Basicamente, isso significa que são tantas séries novas a todo momento que isso causa um tipo de exaustão no público que, sem saber para onde olhar, escolhe olhar para o que ele já conhece.
Neste sentido, sitcoms e procedurais acabam se destacando. Não apenas porque são muito mais propícios a maratonas e revisitas do que longos dramas ou comédias com arcos estendidos, mas porque estamos falando de séries que estão na boca do povo há décadas.
Outro fator que influencia é a própria popularidade destas grandes séries de TV aberta. Antes da era do streaming, a palavra de ordem era o syndication — ou a redifusão —, que cumpre a função de trazer um novo público quando aquela série pode ser reprisada em outros canais. A conclusão é que, seja na televisão ou no streaming, sempre tem alguém disposto a descobrir séries antigas e com muitas temporadas.
Novo olhar
A mudança de perspectiva em relação às Originais Netflix está exatamente neste ponto. Ainda que elas não passem pelo processo de syndication, esta redescoberta está acontecendo de outras formas.
Com o acirramento da Guerra do Streaming e a debandada cada vez maior do produto licenciado, a Netflix tem investido bilhões em séries e filmes originais, mas ainda luta em busca de uma grande franquia. Claro, há produções de (muito) sucesso — ‘Stranger Things’, ‘Bridgerton’, ‘La Casa de Papel’, ‘Para Todos os Garotos’, ‘The Witcher’ por exemplo —, mas a plataforma ainda caminha para se equiparar ao potencial de franquia das adaptações do universo de As Crônicas de Gelo e Fogo para a Warner ou do Universo Cinematográfico Marvel para a Disney.
Quando observamos esse ressurgimento de Longmire e OITNB no ranking da Nielsen, a resposta que temos é que, mesmo se perder ‘Criminal Minds’, ‘Grey’s Anatomy’ e afins, a Netflix já sabe como usar o algoritmo e os mecanismos de busca para manter os usuários na plataforma.
Compras estratégicas
Quando eu comecei a escrever este texto, a ideia era culminar na compra custosa e estratégica das sequências de ‘Entre Facas e Segredos’. Ao adquirir os dois próximos filmes de Rian Johnson com Daniel Craig, a gigante do streaming atraiu a audiência de um longa que foi sucesso de público, de crítica e de bilheteria, e atrelou seu nome a um produto que, inicialmente, já ganhou. É ao mesmo tempo uma aposta segura (porque o sucesso já vem com o filme original, produzido pela Lionsgate) e extremamente direcionada, porque abre espaço justamente para a Netflix ter uma franquia cinematográfica para chamar de sua — e com grandes nomes no elenco.
No entanto, outra coisa surgiu pelo caminho na tarde desta quinta-feira, quando o The Hollywood Reporter divulgou o acordo de licenciamento da Netflix com a Sony Pictures, que entra em vigor a partir de 2022, e é outro belo exemplo de como franquias e grandes astros são importantes para a gigante do streaming nesta próxima fase de investimentos.
Através do novo pacto, a Netflix tem direito à primeira janela de exibição dos filmes da Sony Pictures nos Estados Unidos após o lançamento nos cinemas. Até o momento, e desde 2006, o parceiro de TV paga da Sony Pictures é o Starz, da Lionsgate.
O que muda, então, é que a Sony estende a parceria com a Netflix — que já existia com os títulos da DreamWorks — e se torna um fator chave para o crescimento do streaming diante da concorrência dos grandes estúdios que já chegam com propriedades intelectuais sedimentadas. Do outro lado, naturalmente também ganha um belo destaque para o seu próprio catálogo na maior plataforma do planeta.
A estratégia é boa para os dois lados, e pode até ser uma afronta para a Disney no debate sobre a permanência ou não do Homem-Aranha no Universo Cinematográfico Marvel. Veremos.
De qualquer forma, tanto a compra das sequências de ‘Entre Facas e Segredos’ quanto o acordo de distribuição com a Sony dão à Netflix um poder de fogo renovado, e preenchem o catálogo da plataforma com grandes astros do cinema, algo que o próprio co-CEO Ted Sarandos já afirmou em entrevistas e painéis que são um fator essencial para atrair usuários e convencê-los a permanecer.
No fim das contas, a Netflix pode até não ter um Universo Cinematográfico Marvel para chamar de seu, mas reunindo os derivados de The Witcher, Entre Facas e Segredos, Assassin’s Creed, Para Todos os Garotos e o que mais vier por aí… é quase como se tivesse.
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